sexta-feira, 25 de abril de 2014

PAIXÃO DE CLARICE SEGUNDO GH # Antonio Cabral Filho - Rj

Desenho de Carlos Scliar
****************************
PAIXÃO DE CLARICE SEGUNDO GH

Segundo Kierkegaard,
" O que importa
é encontrar uma verdade
que seja verdade para mim,
encontrar a ideia pela qual
possa viver e morrer."

Alguns levam a vida parados,
deixam o tempo escorrer
como melado para fora do tacho,

deixam o tempo passar
como queira a cadeira de balanço,
sem sequer espichar o olhar
e ver o que se passa
além da sua varanda.

Deixam tudo pra depois,
não apertam o passo
nem pelo ano novo.

Outros cruzam a vida depressa
afobados com tudo,
sobrecarregados de bolsas,
sacos de compras, pastas,
e a cabeça cheia de contas,

passam por nós sempre atrasados
até encontrá-los aveceizados,
presos à cadeira de rodas.

Mas tem uns que passam
tão rápidos pela vida
que não deixam nem rastros
para o poeta pôr no verso.

Vivem tão intensamente
cem anos em cinco
que preferem morrer de tiro
do que viver de tédio.

Estes são como GH,
que fez Clarice 
guardá-los na manga
e livrá-los dos nossos incômodos.
*

sábado, 19 de abril de 2014

CANÇÃO DOS GUETOS # ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

+
*****
CANÇÃO DOS GUETOS
YO LOS HABLO HERMANOS
ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD.
Guetos de Roma
Hanói, Formosa
Pequi, ou de la Habana Vieja
Y sus "desintegrados"
YO LOS HABLO HERMANOS
ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD.
Guetos londrinos
Bem à margem do Buckingham
Guetos germânicos
De Bonn ou Berlim
Divididos em "Òssis e Véssis"
Cada um velando
em seu umbigo
o ovo da serpente
MADE IN GERMANY
YO LOS HABLO HERMANOS
ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD.
Guetos da Bolívia
E seus índios "cocaleros"
Da tribo Quéchua,
Guetos do Peru
E seus guerrilheiros
Sem sendeiros luminosos
Para TUPAC AMARU,
Guetos da Venezuela
E seus caracazos bolivarianos
YO LOS HABLO HERMANOS
ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD
Guetos dos guetos amarelos
Brasilverdesifilíticos
Gonorrêicos que não lhes quero
Assim do Oiapoque ao Chuí
Das palafitas ribeirinhas de Manaus
Cheias de prostitutazinhas meninas
Vendida por seus próprios pais
A caftens made in europe
Às margens das trans...amaz
Ônicas de meninos e meninas ao relento
Nas praças da república
De suas megacapitais
YO LOS HABLO HERMANOS
ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD

Guetos de São Paulo
Dos casarios miseráveis
De tábua e zinco
Das zonas norte
Desnorteadas pro
Sul leste oeste
Que apesar dos pontos cardeais
Que os atritam
Nenhum cardeal
Nos deixam em paz
Nos seus sermões dominicais
YO LOS HABLO HERMANOS
ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD
Guetos do Rio de Janeiro
De tontas maravilhas
De janeiro a janeiro
E cariocas brejeiras
De cartão postal
De Chapéu Mangueira
E Pavão Pavãozinho
Vidigais e Vigários Gerais
Onde a palavra FAVELA
Fala a língua do "bigode grosso"
Pela graça da mordaça
De tantos COMANDOS
Há que buscar uma linha
Mesmo que seja vermelha
Mesmo que seja amarela
Ainda que seja anêmica
Para juntar tantas
Rocinhas Morros das Viúvas
Ladeiras dos Adeuses
Baixadas e Jardins Catarinas
Contra tantos opressores.
Pero hermanos
Hablar no me basta
Como no me basta
Llorar los hermanos caídos
Pois para poner fin
A tanto apartheyd
HAY QUE ENSUCIARSE LAS MANOS!
***

sexta-feira, 18 de abril de 2014

LÍNGUA DE MEL * ANTONIO CABRAL FILHO + RJ

+
**********************
Pátria da língua
ou língua da pátria
não quero saber,
não me importa
a nacionalidade da língua
e sua pátria muito menos.
Eu só quero a linguada,
a lambida sedosa
que me faz arrepiar
e arranca o gozo
com jorradas e urros.
Sem essa de minha pátria
é minha língua que nada,
se ela não tem 
um orgasmo pra mim,
só me interessa o boquete.
***

quarta-feira, 2 de abril de 2014

DORIVAL CAYMMI 100 ANOS # ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

 Amigos, em 30 de Abril próximo
DORIVAL CAYMMI
completa 100 ANOS DE NASCIMENTO.
Vamos homenageá-lo!
************************

EMBOLADA À CAYMMI

Caymmi que me perdoe,
mas cantar só a Marina
é um erro imperdoável,
é deixar todas as outras,
mulheres tanto que são,
numa secura asiática.

Não precisa ser Dom Juan,
pra visitar à surdina 
somente as escolhidas
ou Bandido da Luz Vermelha
e cobrar a peso de ouro
o orgasmo sorrateiro
das suas vagabas paulistas,
nem dar uma de Vinícius
e classificar de feias
todas que não "pegou",
ou fazer como Drummond,
para amar somente as sonsas
no escurinho dos cinemas.
Muito menos esnobar,
como fez Manuel Bandeira,
que se amarrou em Tereza
e nas horas mais soturnas
fazia visitas secretas
à Rosa de faces lívidas
e quando ela adormecia
seu sono de querubim,
Bandeira corcovinava,
lépido qual uma lebre,
pela Mem de Sá a fora, 
cruzava a Frei Caneca,
quebrava na Carmo Neto
e ia findar no Mangue,
onde ele se realizava
nos braços de Colombinas,
Leninhas, Brigites e tais
do seu mundinho privê.
Mas logo que se fartava,
fazia o caminho de volta
pra fastiar-se na Lapa,
quiçá nos braços de Irena
n'algum daqueles becos
que rondam a velha igreja
de Nossa Senhora do Carmo,
e, quando o dia raiava,
Bandeira se recolhia,
sem sorriso de Arminda
nem carinho de Isabel
e se punha a construir
sua nova canção do beco,
sem beijo nem lembrança
do frustrado amor de antonia.

Mas Caymmi que me perdoe,
cantar somente a Marina
é um erro imperdoável!
***
CAYMMÓPOLIS

Até bem pouco, eu
ouvi Caymmi dizer
" Vou pra Maracangalha,
eu vou", como ouvi
Manuel Bandeira confessar
"Vou-me embora pra Pasárgada".

Maracangalha, era pra mim,
algo assim como um tipo
de refúgio secreto
à Colônia Cecília
ou mesmo uma Shangri-lá,
coisas do imaginário anarquista
ou de cristão jesuíta
caçador da Terra Prometida,
ou quem sabe ainda
de algum consumidor de lsd.

Mas esse estado lisérgico
durou só até eu dar de cara
com a foto panorâmica
da Praça Dorival Caymmi
cheia de bancos, jardins,
arquitetura nyemaieriana
e usinas de açúcar.

Gelei, mas caí na real.
Maracangalha não é utopia
e, por incrível que pareça,
é uma cidade da Bahia.
***