terça-feira, 14 de maio de 2013

JAVAÉ * ANTONIO CABRAL FILHO

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Minha história começa pelo nome: Antonio.
Por ser filho de ambiente natural, onde os nomes são transparentes e todos sabem seus significados, a palavra Antonio me causava estranheza, por não saber o seu significado.
Passei a infância brincando com Coaraci, Jaci, Peri, cunhatans e curumins da minha taba, nomes tirados por meu povo da sua relação com a natureza onde vivia.
Mas a minha gente aceitava que um estranho chegasse e se juntasse a nós, se casasse com uma cunhan da tribo e até que chegasse ao posto de Ubirajara. Isso levou ao surgimento de nomes como o meu, Antonio; além de outros como Maria, Ana, Francisco, Tereza etc, todos ligados a uma religião baseada numa cruz e num homem branco que chamam de Jesus Cristo, e, aos domingos, íamos à igreja deles.
Meu pai era um homem branco. Ele raptara minha mãe e a levara para um cafezal, onde eu nasci. Depois, viemos morar com a família dela na aldeia. 
Até hoje eu não sei o que nos fez viajar no meio da noite, cruzando rios a nado, florestas e montanhas no maior silêncio que eu já vi, sem cortar arbustos nem cipós para abrir caminho ou fazer pousada sequer à noite. Sei somente que minha mãe seguia na frente, comigo escanchado ora nas costelas ora nas costas e, quando ela parava com o dedo indicador sobre os lábios, era sinal de que havia perigo. Por diversas vezes passamos ervas no corpo, para não atrais a sanha dos animais com o cheiro do sangue humano.
Mas com o tempo eu fui percebendo algumas curiosidades sobre a palavra Antonio: Nome de um santo que promove o casamento, uma espécie de deus dos casais. Descobri depois que o seu dia é treze de junho, época de festa junina, quando se faz quadrilha com todos fantasiados de agricultor para comemorar as colheitas. Dessa época, eu preferia as batatas assadas na fogueira, o milho cozido, os doces, as broas etc. Pude notar que se tratava de santo festeiro, partidário da fartura e certa liberdade de gula.
De surpresa em surpresa, caí sobre um dicionário de nomes próprios, onde encontrei a surpreendente explicação sobre Antonio: Aquele que não se vende, incorruptível, puro de espírito, que protege os pobres e as crianças.
Depois de refletir sobre tudo que levantei a respeito do meu nome, calei-me mais ainda sobre minhas desconfianças e rejeição a esses nomes ligados a esse tal de Jesus e jamais revelei por que sempre me apresentei pelo apelido de Javaé.
Certa vez meu pai deu-me a tarefa de capinar o matagal ao redor da nossa oca, casa segundo ele, e ao terminar e amontoá-lo para queimar depois de seco, foi-me entregue uma nota de dinheiro, para eu comprar balas no domingo, após a missa dos cristãos. Então, lembrei-me do meu nome, Antonio, incorruptível, que não se vende, lá do dicionário, e perguntei ao meu pai se ele estava me comprando, me corrompendo, por eu ter realizado uma coisa boa para todos nós, , como a segurança de não haver nenhuma boiúna tocaiando nossos pintinhos, minha mãe deixou claro que não gostou por ter lhe tirado o único local aonde pôr a roupa para quarar e minhas amigas de brincadeiras chiaram por ficarmos sem a relva onde estender as esteiras para tomarmos sol deitados.
Vendo meu embaraço, ante as três insatisfeitas, meu pai chamou-me e disse ao pé do ouvido:
- Compra tudo de bala e dá duas para cada uma que elas esquecem logo-logo!
- Como o senhor é corrupto! Exclamei, mas não tive outra saída.
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Crédito:https://www.google.com.br/search?q=javae&newwindow=1&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=t0OSUZT0NYeH0QGD9YHADA&sqi=2&ved=0CD4Q