quarta-feira, 28 de agosto de 2013

PRETINHA DO LEBLON * ANTONIO CABRAL FILHO


Sempre temi amores passionais. E os temo a ponto de policiar-me sobre o assunto. Por exemplo, certa vez namorei uma pretinha do Leblon que acabou comigo. Eu fiquei tão "cego de amor" que ficava na esquina esperando ela aparecer no calçadão aonde nós nos encontrávamos uma hora ou duas antes da hora marcada, e, quando ela despontava na avenida, eu me enfurecia de ódio, pelo fato de ter esperado tanto. Logo que se aproximava de mim, eu só faltava bater na menina, criando um monte de culpas pra acusá-la do meu sofrimento.
 Mas o pior foi no dia em que ela terminou comigo: Aquele "não dá mais, acabou, não quero te ver mais" incendiou-me! E tão logo ela deu-me as costas e entrou num ônibus, eu me senti a pior titica da face da terra. Só que nem eu contava com a desgraça de estar armado exatamente numa hora dessas: Parei um táxi, entrei dando o dinheiro ao motorista e ordenei que cercasse "aquele ônibus", e ao notar que o mesmo estava demorando a cumprir as minhas ordens, gritei "vamos logo!" com o 38 na mão. O taxista acelerou, encostou o DKV ao lado do motorista do ônibus e mandou ele encostar; saltei e entrei pela porta da frente, ordenando à menina "Vem comigo!". Ela passou, literalmente, sobre os passageiros deitados no chão do veículo e seguiu-me. Ficamos em torno de uma hora sentados na Praça Jardim de Alah, sem trocar uma palavra, até que ela levantou-se e partiu, deixando-me sentado lá...
Fiquei ali, desolado, não sei quanto tempo. Mas o mais interessante é que, durante toda aquela eternidade, não apareceu sequer um pm para prender-me por porte ilegal de arma, pois o 38 ficou sobre a mesinha de concreto aquele tempo todo, e, só por sorte, não apareceu viv'alma naquela praça, ao menos para despertar-me daquela letargia, até que dei-me conta, lentavei e parti... não sem antes jogar o "velho contra-poder" no leito do Canal do Jardim de Alah e jamais pegar em armas e apegar-me tanto a alguém.





quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A ALMA DE CHARLES BUKOVSKI * ANTONIO CABRAL FILHO


*
Era uma mulher
feita de nuvens
ou nuvem feita mulher
e na claridade turva
dos corredores frios
via-se apenas seus olhos
com raios de azul-anil
e o sol se esgueirando
por entre os cantos
para pegar seus flagrantes
cheios de tons eróticos
como Scott Fitzgerald
no buraco da fechadura
com sua próxima vítima.

Sua tez era loura
tipo grega de sauna
como se o mármore
quisesse gritar.
Não era uma Marilyn Monroe,
não chegava a ser radiante
com seu brilho meio sofrível,
e mesmo meio sofrível
era de fazer qualquer um
oferecer-lhe um banquete.

Comia qualquer prato
desde que fosse pago
pelo trouxa da vez
mesmo que ele fosse
o próximo programa
e fazia com que o freguês
tivesse que lhe pagar
as ninharias que bem quisesse
e sua única obsessão
era não parecer vulgar.

Bastava umas quinquilharias
para ir até à cama
como McX
vai à boca do cliente
matar a sua fome
e no fim das contas
quem comeu quem,
quem é o fetiche,
o fumante ou o cigarro
"American Spirit".

Entre seus apetrechos
de enredo pre-nupcial
tinha de haver sempre
revistinhas Fairplay
e quadrinhos eróticos
além de periódicos da moda
e cerveja em profusão.

Como se pode ver
era um pé-no-saco
pra ninguém tirar defeito
e estava sempre nos cantos
preterida por todos
sem faturar um puto...
*&*



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

INIMIGO DE EZRA POUND * ANTONIO CABRAL FILHO

Aquele gato enjaulado
na gaiola da petshop
não cometeu crime algum
para estar ali, nervoso,
de um lado para o outro,
como um prisioneiro louco,
a não ser seu pedigree
de raça estimada
pelos felinomaníacos.

Sua fúria felina inconteste
crescia cada vez mais
à medida que crescia
o pombal ao seu redor
catando ração solenemente,
todo alheio à sua presença.

Creio com toda certeza
que aquele gato enjaulado
na gaiola da petshop,
sem direito a um pombo sequer,
sentia-se mais infeliz
com a sua situação
do que o poeta Ezra Pound,
que foi enjaulado na Itália
durante a Segunda Guerra
por sua adesão ao nazismo.

Suas refeições diárias
eram postas dentro da jaula
para que ele se servisse,

coisa que o gato adoraria
que o lojista fizesse
com um pombo,

mas no entanto EzraPound
jogava a comida nos carcereiros
para expressar sua ira.

Sem sombra de dúvida,
esse gato enjaulado
na gaiola da petshop
todo cercado de pombos
seria inimigo de Ezra Pound.

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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

CANÇÃO DO LARGO DO ESTÁCIO * ANTONIO CABRAL FILHO

Enterrem meus sonhos
no Largo do Estácio

sem flores
nem pudores

pois as flores
eu dei pra Tereza
por encher meu mundo de sonhos

e as lágrimas
quem secou foi Cleide
após mostrar-me o caminho das pedras

e os pudores
foram-se todos
após as desilusões com Marta.

Enterrem meus sonhos
no Largo do Estácio,

Mas enterrem-nos sem piedade
assim como quem põe fogo
no lixo junto ao meio-fio
e vai-se sem mais nem menos.

Enterrem meus sonhos
no Largo do Estácio,

Mas por favor não os enterrem
na porta da igreja,
pois daria muito trabalho
ao Divino
e soaria como um acinte aos devotos
e tão logo fossem descobertos
pelas perdidas na vida
seria uma comoção social
com filas de adoradoras
roubando o lugar uma da outra
e camelôs trocando trombadas
com churrasquinho barato,
flâmulas de São Jorge,
figas de guiné e amendoim,
latinhas de pomada chinesa
para aumentar a excitação,
caixas de baralho erótico,
coleções de Carlos Zéfiro
e, com toda certeza,
o clero não me canonizaria.

Mas enterrem meus sonhos
no Largo do Estácio
pois eles têm que voltar
ao ponto de partida
e começar tudo de novo.
*@*

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

FOLCLORE DA CACHAÇA EM TROVAS * ANTONIO CABRAL FILHO

(Imagem:Internet)

Antes do primeiro gole,
disfarsa e vai lá no canto,
pois eu lhe digo, não é mole
ficar devendo pro santo.
&
Evite o primeiro gole,
avisa quem é amigo;
antes que a pinga lhe esfole,
ouça bem o que lhe digo.
&
Eu não sei qual é a graça
na propagação do mal,
mas a fama da cachaça
não prega nada normal.
&
Evite o primeiro gole,
diz o dito popular;
quem quer que o santo lhe esfole,
deixa o pedinte secar.
&
Há quem diga ser normal
e nisso até ache graça,
não quer ver nada de mal
no folclore da cachaça.
&
Quem não vê nada de mal
no consumo de dopante,
deve achar até normal
liquidar seu semelhante.
&
Evite o primeiro gole,
é como diz o ditado;
mas há quem pense que é mole
matar o pedinte ao lado.
&
Evite o primeiro gole,
pois ele não lhe pertence;
pare logo de dar mole
senão a pinga lhe vence.
&
Sei que pra curar cachaça,
muitos visitam o médico,
mas há quem procure o médium
e fique cheio de graça.
&
Cachaça, mocinha branca,
minha puta rapariga,
você jamais me desbanca,
vá direto pra barriga.
&
Branquinha, minha branquinha,
vou lhe dizer minha loa,
você é minha rainha,
mas eu não lhe bebo à toa.
&
Cachaça não tem morada,
nem procura paradeiro,
pois se vê realizada
no bucho do cachaceiro.
&
O tempo solapa, aos poucos,
aquele orgulho soberbo,
tocaiando atrás dos tocos
pra surrar-me quando bebo.
&